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Contos e Causos

Benedita, A Filha dos Bodes (Parte 4)

Primeiramente gostaria de pedir desculpas aos Irmãos e leitores pelo atraso nas postagens, mas que tentarei normalizar tanto a coluna “Contos e Causos”, quanto as matérias de história sobre nossa Augusta Fraternidade. Quero informar também que está não será a ultima parte deste conto, visando manter a qualidade já apresentada.

Recapitulando…

Nas partes anteriores desse conto… Benedita, uma escrava ainda na infância foge de seu feitor para não ser obrigada a trabalhar doente, e neste interim acaba conseguindo abrigo em uma Loja Maçônica chamada Lealdade e Brio onde Umbelino, o cobridor, se propõe a protegê-la, mas para isso deverá primeiro convencer os seus Irmãos, já que houve uma indisposição com o Martim que logo foi resolvida graças ao pulso firme do nosso velho herói, então o cobridor pediu para que colocassem a loja em recreação a fim de apresentar os fatos para poderem tomar uma decisão a respeito do assunto que após acalorado debate e por fim a decisão de que comprariam a alforria da menina, todos foram surpreendidos por pesadas batidas na porta. Eram os algozes de Benedita, e agora cabe aos Irmãos Maçons decidirem o que fazer.

Se você não leu ou quer recapitular,

Acesse aqui a primeira parte: Benedita, A Filha dos Bodes

Acesse aqui a segunda parte: Benedita, A Filha dos Bodes (Parte 2)

Acesse aqui a terceira parte: Benedita, A Filha dos Bodes (Parte 3)

Benedita, A Filha dos Bodes (Parte 4)

Por Cloves Gregorio

O barulho oco e metálico do prato e colher ao cair no chão trouxe tensão ao âmago de todos.

Após as pesadas batidas na porta, o silêncio era geral.

Umbelino disse cochichando a Zé Maria – Zé, suba com a Benedita para o pavimento superior – agora virando-se aos outros disse – preciso de irmãos armados com espadas, mesmo que elas não tenham fio, o profano não precisa saber disso.

Sete irmãos correram ao templo e se armaram de espadas. Umbelino pegou a sua que ainda estava encostada na parede ao lado da porta de ogival dupla e a empunhou, ainda com a porta fechada perguntou – Quem vem lá? – A sua voz novamente estava imponente como um trovão que rasga o silêncio antes de uma tempestade.

– Sou Jurandir, Capitão do mato da fazenda Rio D’Oeste – respondeu a voz fora do templo.

Bento Castro teve seu coração acelerado, afinal essa era a fazenda de seu algoz Coronel Miranda. Procurou rapidamente os olhos de seu padrinho Umbelino, que vendo seu afilhado aflito, fez um sinal negativo, e de lábios sem voz saiu um “Deixa que eu resolvo”.

– Por que ousa atrapalhar nossa janta? – perguntou novamente o velho cobridor.

– A velha da casa do meio disse que uma nega fujona da fazenda que eu trabalho está escondida em vossa casa.

Novamente ouviu-se vários sussurros amaldiçoando a velha. Umbelino silenciosamente pediu para dois irmãos tirarem a tora de Maçaranduba que prendia a porta.

– Você não é bem vindo aqui! – respondeu Umbelino com força e vigor, então continuou – E também não tem poder de nos dizer quem podemos receber de visita ou não. Se seu patrão tem assuntos a tratar conosco, ele que venha pessoalmente, ou lhes diga que a nossa loja enviará uma comitiva amanhã pela alvorada.

– O Coronér não vai gostar disso – Respondeu o capataz.

Umbelino rapidamente pediu que os irmãos armados viessem para próximo a ele e apontassem suas espadas para a porta, e deu sinal para que os dois que tiraram a tora que trancava a porta abrissem apenas um pouco a ogival.

Ao abrir da porta dupla, o capataz foi iluminado pela claridade de dentro do recinto. Este se revelou um negro de barba e cabelos volumosos, vestido com calças de pano grosso e marrom, e pendurado no cós dela um pequeno rolo de corda, usava também uma camisa branca, que castigada pelo uso já estava amarela e um pesado capuz que protegia um pouco do aguaceiro que caia na rua. O capitão do mato, de sisudo pela profissão, teve seus olhos saltados para fora ao ver homens de vestidos de preto, armados de espadas, prontos para colocar para fora qualquer um que atrapalhasse o que faziam naquele sublime recinto.

– Diga ao Coronel que aqui ele não manda. – respondeu com vigor Umbelino, que passava entre os dois da ponta apontando a espada para o capataz. E continuou – Agora xispa! E dê nosso recado ao coronel.

O capataz, dá alguns passos para trás, visivelmente contrariado até sair da calçada e pisar no paralelepípedo da rua, e põe se a correr. Umbelino respira fundo e pede para os irmãos novamente fecharem a porta.

– Obrigado pela ajuda e pela confiança senhores! – Disse o velho cobridor. E continuou – Acredito que podemos jantar em paz. Depois eu peço que se retirem gradativamente, até ficarem comigo cinco, para sairmos em uma pequena comitiva.

O silêncio dava espaço ao estalar da lenha no fogão, que mesmo após a pequena confusão trazia conforto aos corações dos Maçons ali reunidos.

Zé Maria desceu alguns degraus do pavimento superior até ver seus irmãos, e perguntou se a barra estava limpa. Martin que estava com a concha na mão catando as carnes do feijão para um novo prato respondeu – Está tão limpa que eu estou morrendo de preocupado com aquele capataz meia tigela, que estou até jantando de novo – Todos riram, então Zé Maria chamou a menina que desceu e se juntos aos outros.

Os Irmãos se despediram e conforme orientação do cobridor, foram saindo pouco a pouco, até sobrarem Umbelino, Bento Castro, Zé Maria, Martim e Onofre.

Umbelino fez um sinal para que os Irmãos junto a menina saíssem em silêncio. Esperou alguns minutos, então abriu a porta. A chuva já tinha cessado, sobrava uma rua encharcada é um vento cortante. O cobridor virou para a menina e disse:

– Criança, coloque o capuz. Está frio e não quero que piore da sua febre.

A menina prontamente obedeceu. Então com uma passada pesada ele cruzou a porta olhou todo o perímetro e não havia sinal de vida.

– Zé, pegue os cadeados.

Zé Maria, pegou os cadeados em uma caixa de madeira no vão em baixo do fogareiro de ferro fundido. Eram pesados e de ferro também. Onofre, Bento Castro e Martim saíram com a menina andando um passo a frente deles. Umbelino já estava no meio da rua virado para o edifício da Loja. Esfregava as mãos e baforava ar quente nelas. O grupo com a menina se dirigia para junto ao cobridor e Zé Maria estava trancando a porta dupla. Colocou o primeiro cadeado em nas duas argolas de ferro pendentes em cada lado da porta onde se encontravam no meio. Apertou a tranca até ouvir o costumeiro clique. Quando preparava-se para colocar o segundo cadeado um figura saiu correndo de dentro do beco entre a Loja e a casa do vizinho. Era o capataz que saiu das sombras e tentou agarrar o braço de Benedita. Bento Castro foi mais rápido e conseguiu puxar a menina para junto de si.

O empregado de coronel Miranda parou e em cólera por seu plano pífio não ter dado, tenta agarrar o braço da menina, mas é parado por uma pesada peça de ferro que o atingiu bem no meio da cara. O capataz urra de dor e põe as mãos no rosto. Onofre e Martim se adiantam e seguram o capataz um em cada braço.

Umbelino se sentiu velho e bobo por não verificar o beco, mas em questão de segundos fechou os olhos e agradeceu a Deus por seus companheiros terem suprido a sua falha.

– Bela pontaria Zé! – falou Umbelino, então todos perceberam que a pesada peça de ferro que atingiu o capataz foi o cadeado atirado pelo português bonachão.

O cobridor veio caminhando lentamente em direção ao capataz que estava detido pelos Irmãos Onofre e Martim.

– Não sabes que somos protegidos por algo maior, caro Jurandir? Além de termos uma vontade irrefreável no que nos propomos a fazer. Sabe qual é a lenha para manter essa vontade acesa infeliz? O amor a liberdade… Que não será tirada desta menina! – Disse Umbelino tranquilamente, e pegando no queixo do capataz como se pega em um cavalo para conferir seus dentes continuou com energia – Eu lutei ao lado de muitos irmãos negros na guerra do Paraguai, e lá aprendi que a cor da pele não importa, principalmente quando você depende do outro para sobreviver. – Umbelino respirou e continuou – E você está sendo agente de um ser vil, que faz questão de manter essa diferença viva e o pior, está ajudando na manutenção da escravidão ​de seu povo. Agora saia daqui, antes que eu faça você chegar na Rio D’OESTE abaixo de pontapés! – Então disse a Onofre e Martim – Soltem ele, para que ele dê o recado ao Coronel Miranda.

Martim e Onofre lançam o corpo do capataz que encontra o chão de paralelepípedos com violência. Este se apoia nas duas mãos para levantar, esfrega a manga de sua camisa amarela na face a fim de limpar o sangue do rosto. Com um olhar misto de ódio e impotência fita o grupo e desce a ladeira da rua correndo até ser engolido pela escuridão da madrugada.

Os cavalos dos maçons ficavam em uma coxia atrás do edifício que tinha acesso pelo beco na lateral. Martim e Onofre vão até e os fundos enquanto os velhos cobridor e Zé Maria aguardaram com a doce Bendita. Os cavalos passam de um a um acompanhados dos irmãos que os foram buscar. Eram quatro animais, pois Onofre residia na mesma rua que a Loja. O cavalo de Bento Castro era um belo alazão branco, Martim tinham um belo animal Marrom, a Égua de Zé Maria tinha uma cor peculiar, e mais parecia com uma vaca, era branca com manchas marrons é bem corpulenta, isso pra não dizer gordinha. Era bem conhecida na cidade e tinha o nome de Ana Maria. O Cavalo do velho cobridor chegava a dar um pouco de medo, muito negro e grande, mas não de gordura, via-se claramente que era um animal preparado para guerra com músculos bem definidos. Sua cor se confundia com a noite e seu dono muito culto e conhecedor de muitas mitologias o batizou de sleipner.

Umbelino colocou a menina montada em seu cavalo e subiu logo atrás. Quando todos estavam prontos para sair o velho cobridor explanou um plano objetivo. Todos deveriam ir juntos até que chegassem a residência de cada um, e de manhã ainda na alvorada se encontrariam na margem do rio na altura do Armazém do Almeida. Onofre foi na garupa de Bento Castro e desceu um pouco mais abaixo na rua. O segundo a desgarrar foi Bento Castro, logo após a curva do diabo, que tinha uma pequena trilha que dava até uma porteira imponente que era acesso de sua fazenda. Martim era vizinho de Bento e sua chácara dividia terras com a fazenda de seu Irmão de maçonaria, então logo a frente quase um km depois ele se embrenhou em uma pequena estrada de pedra sabão que dava acesso a sua residência. Zé e Umbelino trotaram por mais uns dois km até saírem da estrada e encontrarem um anteparo comercial, com muitas casas e sobrados até chegarem a um suntuoso sobrado em cima de uma venda. Então pararam.

– Zé, eu sei que você deve estar louco de ansiedade para contar a novidade e apresentar Benedita a Bertoleza – então o cobridor respirou um pouco e continuou – mas acredito que não seja tão seguro a menina ficar aqui hoje. Amanhã pouco antes da alvorada, pegue a Cunhada Bertoleza e leve para minha residência,  Augusta cuidará dela e de Benedita de manhã enquanto acertamos a carta de alforria com patife do Miranda. Agora se despeça de sua nova filha que eu vou ganhar a noite como nunca fiz antes, pois pretendo chegar em casa em um quarto de hora.

Zé Maria desceu de sua égua, chegou perto de Benedita, pegou sua mãozinha e disse:

– Esperamos tanto um ao outro, o que custa mais um dia? – Disse Zé ligeiramente emocionado – Amanhã você conhecerá sua mãe logo cedo e mais a noite estaremos jantando como uma família. Boa noite minha querida e até logo. Vai dar tudo certo!

A menina não tinha palavras, só estava feliz e radiante. Então ela assentiu com a cabeça e beijou a mão gordo de Zé, que retribuiu beijando a mão da menina. Nessa hora o português já estava com as bochechas coradas e molhadas com as lágrimas de seus olhos muito azuis. Então Umbelino se despediu de Zé que  amarrou sua égua em baixo de um telhado em frente a venda e subiu as escadas do sobrado muito rápido e gritando entusiasmado:

– Bertoleza minha rainha de ébano, tenho novidades meu amor!

Umbelino disse a menina:

– Se segura, pois conhecerá o cavalo mais rápido que verá em sua vida. Aio sleipner!

O cavalo parecia compreender os sentimentos de seu dono, então trotou tão rápido que seu corpo mesclou-se com a noite eterna.

Continua…

 

Por Cloves Gregorio

Cloves Gregorio, 35 anos, casado com a senhora Gislene Augusta, Pai do Menino Átila, Historiador e Professor, Venerável Mestre de Honra (Past) da ARLS UNIÃO BARÃO DO PILAR Nº21 Jurisdicionada ao GORJ, Filiada a COMAB. Na Obediência já exerceu os cargos de Grande Secretário Adjunto de Cultura e Ritualística e Grande Secretário Adjunto de Comunicação e Informática.

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