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História da Maçonaria no Brasil

Análise do Estatuto da Loja Educação e Moral de 1832 – PARTE 1

Quando falamos na loja maçônica “Educação e Moral”, lembramos logo como “A loja de Gonçalves Ledo” ou “A segunda loja a trabalhar no Rito Escocês Antigo e Aceito” (Sim, segunda. Se você não está ligado, clique aqui e conheça a primeira). Por mais que seja uma Loja bem conhecida no imaginário da maçonaria brasileira, tem-se pouquíssimas informações acerca da mesma. Por isso, resolvi ressuscitar o estatuto desta oficina, datado de 1832 para trazer mais luz a história, e por consequência entender práticas que são utilizadas até os dias de hoje.

Antes de entrar no assunto principal, que é a análise das informações constantes no estatuto, cabe aqui algumas informações que são ignoradas nesse documento, como por exemplo a sua data de fundação em 1829, ainda no período em que a maçonaria estava proibida em solo brasileiro. 

Trecho do manifesto do Grande Oriente do Passeio, que caracteriza João Paulo dos Santos Barreto como Grande Inspetor Geral do Grande Oriente da França.

Esta loja foi fundada por Gonçalves Ledo e instalada por João Paulo dos Santos Barreto, um importante militar  que tinha uma carta patente do Grande Oriente da França, que o dava poderes para fundar Capítulo Rosacruz e Conselho Kadosh, por isso a Educação e Moral tinha esse conjunto de graus sob a sua égide. Kurt Prober afirma que a carta em posse de João Paulo dos Santos Barreto era na verdade uma Carta Patente do Supremo Conselho de França, mas um manifesto do Grande Oriente Brasileiro acerca de sua regularidade, ao falar brevemente de sua história e ao narrar a existência da referida loja, caracteriza o militar como “Grande Inspetor Geral do Grande Oriente da França”. Lembrando que a partir de 1815 o Grande Oriente da França passou a administrar graus simbólicos e Superiores, antagonizando com o Supremo Conselho do Rito Escocês naquele país. 

Annaes Maçônicos Fluminenses, publicação de 1832 informando que a Loja Educação e Moral não estava filiada a nenhuma obediência Maçônica.

Vale salientar que a loja Educação e Moral funcionou de forma independente de 1829 até 1833, quando se filiou ao Grande Oriente Brasileiro (Passeio). Feita as considerações, partimos ao documento. 

Imagem dos frontispícios do Monitor dos Franco-Maçons de Webb a esquerda e o estatuto da Educação e Moral a direita.

O documento, como já frisado, de 1832, já começa bem interessante, pois em seu frontispício traz uma importante gravura, que ficou bem famosa ao ilustrar a edição de 1818 do monitor dos Franco Maçons de Thomas Smith Webb. Isso nos leva a acreditar que os maçons brasileiros não viviam em uma bolha, e possivelmente tenham tido contato além da maçonaria latina. 

Os estatutos são divididos  três partes:

Disposições Regulamentares: Que explica o funcionamento e os trâmites administrativos da Loja. 

Finanças: Que aborda toda a parte pecuniária, inclusive a de doações e benfeitorias a serem realizados.

Disciplina: Que trata os aspectos legais e penais dos obreiros pertencentes ao quadro. 

Para deixar o estudo mais interessante e menos enfadonho, colocarei o capítulo, seu título e um breve resumo do conteúdo, ressaltando o que é peculiar ou aspectos que possivelmente tenha influenciado no modus operandi hoje. Como de praxe os meus comentários estarão em negrito. 

PRIMEIRA PARTE 

CAPÍTULO 1° – Das qualidades, que devem ter os Profanos (Não iniciados), que forem propostos para serem iniciados.

Nada muito diferente do que é usualmente realizado hoje, ou seja, ter 21 anos, estar em dia com seus direitos civis, além de ser amigo da liberdade e da humanidade. Mas é interessante notar que em seu Art 3°, ressalta-se que “Seja qua for a Nação , Religião e a forma de Governo Politico dos Profanos nem uma influencia terão sôbre sua iniciação.“. Ou seja, mesmo que nas entrelinhas seja garantido uma laicidade, o compromisso que será efetuado pelo profano, terá de ser diante da Bíblia cristã, como previa o ritual a época. Quanto a forma de governo político, só consigo imaginar que o candidato não teria qualquer tipo de regalias por pertencer a corrente política x ou y, sendo garantido assim a democracia no tratamento. 

CAPÍTULO 2° – Do modo de se-proceder á Proposta para iniciação dos Profanos, sua admição, ou regeiçao.

Aqui o estatuto explica o trâmite de indicação, a proposta, a votação da mesma, o escrutínio, a aprovação ou reprovação do candidato. 

CAPÍTULO 3° – Do modo de se-proceder á Proposta para a regularização dos Maçons irregulares.

Neste capítulo é explicado o que é considerado irregular, no caso, maçons iniciados em lojas irregulares ou iniciados por maçons que não tinham poder para tal. Explica ainda que o maçom a ser regularizado, independente do grau em que estiver, deverá ser instruído novamente, e também arcar com o valor pecuniário de cada grau que foi tomado de forma irregular. Isso coaduna com a redação de Irineu Bianchi, que nos esclarece sobre a Educação e Moral “Esta Loja tinha sido declarada irregular pelo GOB, por se ter recusado a elevar ao Grau 18 diversos obreiros do GOB, alegando, com firmeza, que não poderia conceder aquele grau a Irmãos não iniciados no REAA.“. 

CAPÍTULO 4° – Do modo de se-proceder á Filiação dos Maçons.

Neste capítulo explica o processo de indicação e aprovação para que um membro se filie ao quadro da oficina. Algo bem próximo do processo de admissão de profanos.

CAPÍTULO 5° – Dos Dignitários e suas funcções em Loja. 

Aqui é dado uma lista de oficiais que compõem uma Loja do Rito Escocês Antigo e Aceito, e posteriormente as atribuições de cada um. 

O Venerável. 
O 1° Vigilaníe. 
O 2° Vigilante .
O Orador. 
O Secretario. 
O 1.° Experto .
O Deputado ao Grande Oriente. 
O Thesoireiro. 
O Hospitaleiro. 
O Mestre de Ceremonias. 
O Archivista , guarda dos Sellos e Timbre . 
O Architecto verificador. 
O 2° Experto . 
O 3° Experto , Guarda interno. 
O Cobridor, ou Guarda do exterior do Templo. 
O 1° Diácono.
O 2° Diácono.

É importante mencionar que ao colocar o cargo de Deputado do Grande Oriente, o documento o grafa com asterisco, explicando  que esse cargo é utilizado quando há um organismo maior denominado centro do governo geral maçônico, o qual a loja é subordinada.  Lembrando que esse estatuto é do ano de 1832, quando essa loja funcionava independente de corpos que a regesse.  

Outra coisa legal é que ao falar das atribuições do Orador, o texto diz que é dever deste oficial “Solemnisar as Festividades e Pompas Fúnebres por meio de peças de Architectura.“, portanto o termo peça de Arquitetura inicialmente era um código para oratória, diferente de hoje que são os trabalhos escritos efetuados pelos obreiros, geralmente acerca das instruções. Já o secretário em uma de suas atribuições fica responsável por redigir a prancha de arquitetura, que nada mais era que a ata.  

CAPÍTULO 6° – Da Ordem que se-deve observar nos Trabalhos.

É literalmente o script da sessão e algumas explicações da mesma. Por exemplo está dizendo que antes do final, é lido pelo secretário o debuxo da sessão, que é o rascunho do que virá a ser a ata, explicado no próprio texto que “Sobre este debucho he que o secretário forma a Prancha“. 

Ainda sobre a Prancha de Arquitetura, o documento orienta que:

“As Pranchas terão sempre por formula: 
A GLÓRIA DO GRANDE ARCHITECTO DO UNIVERSO.
Tal Sessão da Respeitável Loja de S. João de Escossia,
Com título Educação e Moral”.

Fragmento do Estatuto que contem informações referente aos dizeres do cabeçalho.

Agora pensem comigo, estamos percebendo que essas expressões ligadas a construção vem desde o estatuto da educação e moral e serviram de códigos para significar palavras comuns ao funcionamento de uma loja maçônica. Não é difícil acreditar que em dado momento prancha e peça de arquitetura foram colocados no mesmo bolo, e talvez por isso hoje a maioria das peças de arquitetura, que são monografias geralmente exigidas a partir do entendimento de uma instrução, tenha em seu cabeçalho os dizeres “A Glória do Grande Arquiteto do Universo“. 

Ainda neste capítulo, fala-se sobre a proibição de discussão sobre política, o governo e ainda sobre os diferentes cultos religiosos, prática que se mantém até os dias de hoje. 

Acerca da recepção dos visitantes, o documento coloca a entrada de cada um do menor para o maior grau, ou seja, aprendiz, companheiro, mestre, Cavaleiro Rosacruz e até o maior grau. Lembrando que nessa época não existia cortejo de entrada. Acredito que ao introduzirmos a prática do cortejo, nós adquirimos a organização dessa prática de ingresso dos visitantes, do menor para o maior.  

CAPÍTULO 7° – Do modo de receber os Visitantes, e das Honras, que lhe-são devidas.

Explica como fazer o cortejo para cada visitante de acordo com o seu Grau e título maçônico. 

CAPÍTULO 8º – Da divisão , e intervallo a observar na collaçao dos Grãos do Rito Escossez. 

Aqui fala dos famosos interstícios. Primeiramente são discriminados os graus que não podem ser feitos por comunicação, que são: Aprendiz(1), Mestre(3), Grande Eleito(14),  Cavaleiro Rosacruz(18), Grande Eleito Cavaleiro Kadosh(30), Príncipe da Maçonaria e do Real Segredo(32) e Grande Inspetor Geral (33). 

É curioso, mas além de um tempo de intervalo entre os graus iniciáticos, exigia-se uma idade mínima para cada grau, que destacarei a seguir: 

Mestre – 21 anos;
Grande Eleito – 23 anos e meio;
Cavaleiro Rosacruz – 25 anos;
Grande Eleito Cavaleiro Kadosh – 27 anos;
Príncipe da Maçonaria e do Real Segredo – 30 anos;
Grande Inspetor Geral – 33 anos.

CAPÍTULO 9º – Das Elleições para Officiaes da Loja, e das condições de Ellegibilidade. 

Dispensa apresentações, proxímo!

CAPÍTULO 10 – Da Installacão dos Officials.

Aqui explica os poréns da instalação, por exemplo, o Venerável Mestre eleito é instalado pelo seu predecessor. Um Venerável reeleito, é instalado pelo seu predecessor e na falta dele, é instalado pelo 1º Vigilante. No mais, é bem parecido com o que temos hoje. 

CAPÍTULO 11 – Das Licenças e das Demiçôes. 

Aqui explica como o maçom deve fazer para pedir licença da Loja. Equivalente ao quit placet que temos atualmente. 

CAPÍTULO 12 – Das Festas da Ordem , e das Pompas Fúnebres.  

Esse capítulo é curioso e inspirador. É explicado que os dias a serem comemorados na Educação e Moral são os dias 24 de junho e 21 de Dezembro, respectivamente dias de São João de inverno e São João de verão. 

Explica-se que é comemorado também o dia 30 de agosto, por ter sido o dia da inauguração do templo em honra a São João Batista. Aqui acredito que se referem aos próprios aposentos da Loja, e consequentemente o aniversário da mesma. Mas eles fazem um interessante adendo que é “Os Maçons da Loja Educação e Moral no Rito Escossez, não celebrarão as Festas da Ordem e a da Loja , sinão por meio de actos de Beneficencia tendentes ao desempenho do Titulo Distinctivo desta Loja.” e continua “Os Banquetes e todas as demonstrações exteriores de regozijo e pompa não terão logar entre os Membros da Loja Educação e Moral.”. Após esses breves comentários explica como tem de ser a comemoração, com uma exposição das virtudes maçônicas, depois um levantamento do valor constante no tronco de beneficência que foram destinados ao “ensino elementar de jovens de ambos os sexos”, e tentativa de lograr mais valores para o aumento do benefício a mais jovens. 

CAPÍTULO 8 (sim, neste documento depois do 12 vem 8) – Classificação das Sessões e seo objecto. 

As sessões são classificadas em magnas e ordinárias, bem parecidas da forma como conhecemos hoje. 

FIM DA PRIMEIRA PARTE

Conclusão:

Com a análise desse documento, além de descobrir práticas maçônicas do passado, temos uma preciosa ferramenta em mãos para entendermos as práticas que executamos nos dias de hoje, e quem sabe até mesmo resgatar alguns costumes salutares. 

Nas próximas semanas estarei postando as próximas partes de modo que eu não alongue demasiadamente a sua leitura e você fique cansado da gente.   

Referências:

ISMAIL, Kennyo. Ordem sobre o Caos. Brasília. Editora No Esquadro. 2020
PROBER, Kurt. Prefácio do livro Rituais Maçônicos Brasileiros. Londrina. Editora A Trolha. 1996
BIANCHI, Irineu. A MAÇONARIA NO BRASIL – DE 1816 A 1833. Disponível em: http://iblanchier3.blogspot.com/2015/09/a-maconaria-no-brasil-de-1816-1833.html. Acesso em agosto de 2020.
Estatutos Particulares para Loja S. João de Escossia Educação e Moral. 1832
Manifesto Grande Oriente Brasileiro. 1835
Annaes Maçonicos Fluminenses. 1832

Por Cloves Gregorio

Cloves Gregorio, 35 anos, casado com a senhora Gislene Augusta, Pai do Menino Átila, Historiador e Professor, Venerável Mestre de Honra (Past) da ARLS UNIÃO BARÃO DO PILAR Nº21 Jurisdicionada ao GORJ, Filiada a COMAB. Na Obediência já exerceu os cargos de Grande Secretário Adjunto de Cultura e Ritualística e Grande Secretário Adjunto de Comunicação e Informática.

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