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História da Maçonaria no Brasil

Um Pintor famoso e uma loja Francesa do Rito Escocês em terras tupiniquins: A 1ª Loja do REAA no Brasil

Em 1808 a família real portuguesa, ao fugir da investida de Napoleão, instalou a sua corte no Rio de Janeiro, transformando a terra de São Sebastião na capital do Reino de Portugal, mais tarde Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Com isso, foi necessário também que fossem fundados polos culturais que abastecessem a corte. 

Como vimos no vídeo “A Primeira Editora Maçônica do Brasil”, com chegada da família Real, estabeleceu-se uma imprensa régia, destinada não só a confecção de documentos, mas também a livros encomendados pelos nobres. A biblioteca real de D. João VI que se encontrava esquecida no Porto foi embarcada para o Brasil com cerca de 60 mil peças também, tendo seu acervo enriquecido desde sua inauguração no Brasil em 1810. Em 1813 na foi inaugurado o Theatro São João, hoje (João Caetano). Foi o um grande teatro de ópera no Brasil e logo em sua primeira temporada empregou diversos artistas.


Era um momento em que o ethos cultural do Brasil estava em ebulição. Nesse cenário, Antônio Araújo Azevêdo, conde da Barca e ministro de D. João VI, visando o desenvolvimento da cultura na nova capital, organiza o que foi chamado de Missão Artística Francesa. Esse movimento trouxe diversos artistas plásticos, tendo em seu quadro o célebre pintor Jean-Baptiste Debret. A missão ainda tinha o objetivo de estabelecer o ensino de Artes em terras Tupiniquins, o que acarretou em 1816 na criação da Escola Real das Ciências Artes e Ofício, e posteriormente  transformada em Academia Imperial de Belas Artes, e hoje ainda em funcionamento faz parte da UFRJ como Escola de Belas Artes.


Você caro leitor, acostumado com meus textos e exposições a essa altura está esperando a ligação de todos esse movimento com a Maçonaria. Correto? Então vamos lá! Kurt Prober, famoso por essas bandas, em seu Catálogo dos Selos De Maçons Brasileiros de 1984, afirma que Debret, o famoso pintor participante da missão era Maçom e fazia parte da Loja Bouclier D’Honneur. Para quem não é muito afeiçoado a arte, talvez o nome Jean-Baptiste Debret seja estranho, porém não é difícil topar com suas gravuras em nossos museus, assim como nos livros de história básicos que estudávamos no ensino fundamental, afinal o pintor relatava em suas obras cenas do cotidiano, o trabalho escravo, paisagens, arquitetura, fauna e muito mais. Confira a seguir alguns de seus trabalhos:

Execução de Punição por Flagelo
Bandeira Brasileira
Bandeirantes Combatendo Índios Botocudos no interior de São Paulo
Caboclo

Segundo OLEQUES, Debret, de nacionalidade francesa, nascido em 18 de abril de 1768, chegou ao Brasil 1816 na comitiva da Missão Artística Francesa, como já mencionado. Filho de funcionário público estudou na Escola de Belas Artes de Paris e tornou-se pintor oficial do império de Napoleão. O artista ficou no Brasil até o ano de 1831 quando alegou problemas de saúde, retornando assim a França. Devido a sua vasta pesquisa e registro acerca dos costumes e história brasileira, Debret escreveu a obra Viagem Pitoresca e História do Brasil (Voyage Pittoresque et Historique au Brésil) em 3 tomos, que foram publicados respectivamente nos anos de 1834, 1835 e 1839 que chegou a servir de bibliografia para o verbete “Brésil”, volume da Grand Encyclopédie de Levasseur, escrito pelo Barão de Rio Branco. 

Para a afirmativa de que Debret era Maçom, Prober tirou como base a tese do Irmão Argentino Alcebiades Lappa, que fora lida no 1º Congresso da Academia Brasileira Maçônica de Letras, realizado em 1981. No texto, cujo tema era o início da história da Maçonaria no Brasil, que foi pesquisado nos documentos manuscritos acerca da fraternidade na biblioteca Nacional de París, informava a existência da Loja Bouclier D’Honneur fundada em maio de 1822 por irmãos estrangeiros no Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA). Essas informações foram reafirmadas mais tarde por pelo Irmão Hercule Spoladore em seu trabalho para a Loja de Pesquisas Maçônicas Brasil, chamado “LOJA “BOUCLIER D’HONNEUR” –REAA – RIO DE JANEIRO, 1822”. 

Voyage pittoresque et historique au Brésil


Tirando os estudos já destacados, a plataforma Bossu contém uma ficha digitalizada de Debret constante no quadro da Loja Bouclier D’Honneur. Além disso o pintor em seu Voyage pittoresque et historique au Brésil (tomo 3), relata a situação política em 1822, envolvendo a Maçonaria, a proclamação de independência e posteriormente a perseguição do Império aos Maçons republicanos. Demonstrando certa intimidade com o assunto, utilizando o tratamento “Irmãos” quando se referindo aos maçons.

Mariano Pablo Rosquellas

Outro personagem interessante que chegou com a onda cultural foi o italiano Mariano Pablo Rosquellas, que segundo Prober e posteriormente Spoladore também era membro fundador da citada Loja.

Rosquellas era músico. Cantor, compositor e violinista. Antes de vir para o Brasil em 1818, foi nomeado o primeiro Violino pelo monarca Fernando VII no reino da Espanha. Já no Brasil compôs a Ópera “O Grande Califa de Bagdá”. Em 1820 interpretou no Theatro São João a Ópera Don Giovanni de Mozart. No mesmo  compôs e ano apresentou em homenagem a D. Pedro I e a Imperatriz Leopoldina o “Novo Hino Imperial”. Em 1822 era um dos dirigentes da Companhia Lírica Italiana e a partir de 1823 passou a ficar em trânsito constante entre Brasil e Argentina, alimentando projetos aqui e acolá, até radicar-se na década de 1830 em Potosí na Bolívia, fundando uma sociedade filarmônica. (PACHECO, 2007). 

A Loja Bouclier D’Honneur de fato existiu, confirmado pelo estudo de Marco Morel (2001) acerca das sociabilidades das maçonarias no século XIX no Brasil. Era ultra monarquista e opôs-se a Maçonaria Brasileira que queria a separação entre portugal e Brasil.

Segundo Spoladore a Loja Bouclier D’Honneur foi fundada em 20 de maio de 1822 e tinha 15 irmãos fundadores, relacionados a seguir:  Clovis Ramel como Venerável Mestre, François Manquoel, Pierre Schilts, Pougi, Jean Sobra, N. Fagnoli, N. Candida, Julián Alvarez, Conde Ernest de Tourville François Fabre, Louis Troyon, Cavaleiro Louis de Porcete, Charles Renaré, Mariano Pablo Rosquellas e Jean Baptiste Debret. 

Para se distinguir dos demais, os membros fundadores usavam uma jóia em forma de prumo de ouro pendente em uma fita violeta.

A Loja teve uma rápida ascensão, e pouco depois de dois meses já tinham mais de 50 membros em seu quadro. Acredita-se que todos esses irmãos eram estrangeiros de maioria francesa, compostos de intelectuais e artistas, o qual friso o pintor alemão Johan Moritz Rugendas, também parte da missão cultural em terra brasilis. 


Sobre o selo da Loja, Spoladore diz que:

era composto de dois círculos em cujo interior havia um compasso esquadro entrelaçados e no centro a data de 1822, em torno da inscrição “L:. du Bouclier D’Honneur, Or:. De R:.J:.”.

Mesmo com a fundação do Grande Oriente Brasilico (hoje GOB) em junho de 1822, devido ao caráter político dessa Obediência, os Irmãos da Bouclier D’Honneur preferiram não fazer parte deste Obediência, mesmo porque,  apoiados pela Loja Francesa “Les Amis Reunis”, já tinham pedido filiação ao Grande Oriente da França, que foi concedido em dezembro de 1823.

Selo da Loja Desenhado por mim, baseado nos escritos de Spoladore.

Mesmo assim, alguns irmãos descontentes com a Loja, procuraram o Grande Oriente Brasilico para uma mediação, que foi devidamente registrado no livro de ouro do GOB em sua 12 sessão, ocorrida no dia 17 de agosto de 1822. Neste foi relatado a presença de irmãos contra e favor da administração da Loja. O livro de atas, assim como demais documentos da Loja foram confiscado. Ainda foi formada uma comissão para avaliar o caso. Pouco tempo depois, o GOB foi fechado, e Prober Acredita que nesse interim, os documentos da Bouclier D’Honneur foram perdidos. 

Algumas perguntas ficam sem respostas, como por exemplo o porquê de alguns membros desta oficina procurar o Grande Oriente do Brasil como mediador ao invés do Grande Oriente da França. Penso que talvez fosse uma situação insustentável que necessitasse de uma intervenção urgente, infelizmente nunca saberemos. A outra questão é: com o fechamento da maçonaria, a Loja Francesa fechou suas portas? MOREL (2001) acredita que a Bouclier D’Honneur tenha funcionado na clandestinidade, mesmo com a ordem de Dom Pedro I para que a Maçonaria fosse fechada. Spoladore acredita que a Loja tenha funcionado pelo menos até dezembro de 1823, quando da expedição da carta constitutiva pelo Grande Oriente da França.

No final das contas eu só consigo pensar uma coisa. A primeira Loja Maçônica a funcionar no Brasil no Rito Escocês Antigo e Aceito foi a Bouclier D’Honneur e não a Educação e Moral, conforme dito e repetido nos anais da Maçonaria Tupiniquim. 

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OBS: O irmão Edgard da Costa Freitas Neto me deu valiosa informação acerca do registro de Debret constante na plataforma Bossu.

Referências:

MOREL, Marco. Sociabilidades entre Luzes e sombras: apontamentos para o estudo histórico das maçonarias da primeira metade do século XIX. 2001

SPOLADORE, Hercule. LOJA “BOUCLIER D’HONNEUR” –REAA – RIO DE JANEIRO, 1822.  

OLEQUES, Liliane Carvalho. Jean-Baptiste Debret. https://www.infoescola.com/biografias/jean-baptiste-debret/. Acesso em fevereiro de 2020.

Missão Francesa. Disponível em: https://www.historiadasartes.com/nobrasil/arte-no-seculo-19/missao-francesa/. Acesso em fevereiro de 2020.

PACHECO, Alberto José Vieira. CANTORIA JOANINA: A prática vocal carioca sob influência da corte de D. João VI, castrati e outros virtuoses. Campinas. 2007.

PROBER, Kurt. Catálogo dos selos de Maçons Brasileiros. Paquetá. 1984.

DEBRET, Jean-Baptiste. Voyage pittoresque et historique au Brésil (tomo 3). París. 1839.

Plataforma Bossu.

Por Cloves Gregorio

Cloves Gregorio, 35 anos, casado com a senhora Gislene Augusta, Pai do Menino Átila, Historiador e Professor, Venerável Mestre de Honra (Past) da ARLS UNIÃO BARÃO DO PILAR Nº21 Jurisdicionada ao GORJ, Filiada a COMAB. Na Obediência já exerceu os cargos de Grande Secretário Adjunto de Cultura e Ritualística e Grande Secretário Adjunto de Comunicação e Informática.

Uma resposta em “Um Pintor famoso e uma loja Francesa do Rito Escocês em terras tupiniquins: A 1ª Loja do REAA no Brasil”

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