Almejando dar um pequeno contributo a história da maçonaria brasileira, o presente trabalho visa analisar a ata que deu origem a comemoração do dia do maçom. Que informações poderemos extrair de um documento já bastante explorado? Em mais de dez anos em contato com a literatura maçônica, poucas foram as vezes que em artigos aludidos a referida ata, expunha fragmentos e transcrições diretas do documento, sendo quase sempre repetições de outros artigos ou estudos já produzidos anteriormente. Estes materiais em sua maioria, tratavam do equívoco ou exaltação da data em si, e não do seu conteúdo. Mas o que dizia a ata? Primeiramente fiz a extração do documento do livro de Almir Sant’Anna Cruz1, obra que o autor transcreveu as atas com a grafia atualizada, além de parênteses explicativos referente aos autores, já que seus nomes eram substituídos por pseudônimos.
O aludido documento, 14ª ata, começa justamente com “aos 20 dias do 6º mês do ano da Verdadeira Luz do ano de 5822”, que já foi exaustivamente explicado que não se tratava do dia 20 de agosto de 1822, e sim 09 de setembro de 1822, devido a comparação das datas maçônicas com as do calendário comum que eram de conhecimento público, como a própria data de fundação do Grande Oriente Brasílico. A ata continua com:
estando junto o Povo Maçônico das Lojas Metropolitanas, que havia sido convocado para uma Assembleia Geral, tomando o grande malhete o nosso Irmão 1º Grande Vigilante e preenchidos os lugares dos Grandes Oficiais ausentes, por membros dos quadros nessa ocasião e para isso nomeados, se deram princípio aos nossos Augustos trabalhos, abrindo-se a Grande Loja Brasílica no grau de Aprendiz Maçom, com todas as formalidades prescritas na nossa liturgia.
A primeira informação a ser analisada, é que pela redação, reparamos que existiam outras lojas, ainda em 1822, funcionando fora da jurisdição do Grande Oriente Brasílico, pois se não existisse, não seria escrito se referindo apenas ao “povo maçônico das Lojas Metropolitanas”, e sim ao povo maçônico, mesmo porque a 8ª ata se referia ao pedido de filiação de uma chamada Mineiros Reunidos, além de nomear delegados 2para as províncias de Pernambuco e Ceará. Outra informação que nem todos saibam, é que a assembleia geral ganhava a alcunha de Grande Loja, literalmente uma Loja formada pelos Grandes Oficiais, que contava com a presença de todos os maçons jurisdicionados aquele organismo para tratar de assuntos de interesse geral.
A redação continua informando que após a abertura da Grande Loja, é dada entrada aos irmãos das Lojas Metropolitanas, e logo em seguida narra a ação do discurso de Gonçalves Ledo referente a Independência do Brasil:
Imediatamente o Irmão 1º Grande Vigilante no sólio que ocupava, dirigiu à augusta Assembleia um enérgico, nervoso e fundado discurso, ornado daquela eloquência e veemência oratória, que são peculiares a seu estilo sublime, inimitável e nunca assaz louvado, e havendo nele com as mais sólidas razões demonstrado que as atuais políticas circunstancias de nossa pátria, o rico, fértil e poderoso Brasil, demandavam e exigiam imperiosamente que a sua categoria fosse inabalavelmente firmada com a proclamação de nossa Independência e da Realeza Constitucional na pessoa do Augusto Principe Perpétuo Defensor Constitucional do Reino do Brasil.
O discurso, conforme redação, era de fato enérgico e exigia de Pedro I uma posição, uma cobrança para independência, pois aproveitava-se dos eventos da Revolução do Porto, em que portugueses exigiam a volta do Brasil ao status de colônia, além de desprezar o tamanho territorial de Portugal em relação ao do Brasil, dizendo que “a natureza não formou satélites maiores que os seus planetas” e frisando que o colonizador era uma nação remota “sem forças para defende-lo e ainda para conquista-lo.”. O Redator da ata, captou a essência da base principal do discurso, que era tornar-se independente para que não voltassem ao status de colônia, que podemos perceber no seguinte trecho: “exigiam imperiosamente que a sua categoria fosse inabalavelmente firmada com a proclamação de nossa Independência”.
A análise da redação do discurso de Gonçalves Ledo, daria um artigo inteiro a parte, por isso, sintetizamos no ponto central de sustentação. Vale salientar que, dado ao tempo verbal, e a ideia de cobrança ao Príncipe Regente, ajudou na sustentação do equívoco da data. Mas devido a Independência já ter acontecido na data do discurso, acredita-se que a redação de Gonçalves Ledo já estava preparada aguardando um momento propício, dado as constantes pressões que Portugal estava fazendo para retirar a autonomia do Brasil.
A redação continua informando que a moção foi provada por “aclamação”, mas que o próprio Gonçalves Ledo diz “que a sua moção deveria ser discutida, para que aqueles que ainda pudessem ter receio de que fosse precipitada a medida de segurança e engrandecimento da Pátria que se propunha”. Mesmo com a aquiescência de diversos maçons que manifestaram-se positivamente a proposição de Ledo, o redator relatava que alguns destes desejavam que fossem convidadas outras províncias, grifo, do povo maçônico, para que os apoiassem. Nesse momento percebemos a prática política de arregimentar correligionários para um ideal comum, ou seja, a busca de apoio entre seus pares em províncias distintas, corroborando com Barata (2002), que diz na conclusão de seu trabalho3, que diz:
Mais que um espaço de articulação política, a maçonaria foi uma escola de formação e práticas políticas, na qual as regras do jogo político enquanto em participação em organismos representativos e constitucionais foram aprendidas, divulgadas e sobretudo, vivenciadas pelos seus membros no período que antecedeu a convocação da primeira Assembleia Constituinte brasileira.
Passado o assunto da proposição de Independência por Gonçalves Ledo, um dos integrantes denuncia que um dos integrantes da maçonaria e editor do periódico Regulador Constitucional, esclarecido por Barata (2002), como Frei Francisco de Jesus Sampaio, deveria ser chamado ao Grande Oriente para esclarecer seus escritos “desorganizadores em contravenção aos juramentos que prestara”. Lembrando que a maçonaria brasileira, naquele momento, no seio do Grande Oriente Brasílico, tinha a causa da independência como um de seus pilares.
A ata termina com uma proposição também de Gonçalves Ledo para beneficência em favor das viúvas e educação de órfãos, que mais uma vez é aprovada.
Conclusão
A análise do documento em questão corrobora com a narrativa da participação efetiva da maçonaria brasileira no processo de independência. Ainda, enriquece o tema, dado as motivações que estão em consonância com os anais da historiografia acerca dos acontecimentos que geraram insatisfação nas elites brasileiras, sendo a maçonaria um espaço de sociabilidade desta classe. Percebemos que mesmo que fosse claro que existiam outras lojas maçônicas fora da província do Rio de Janeiro, existia a preocupação de membros do Grande Oriente Brasílico em ter aderência por parte de outros maçons de fora da metrópole, indicando uma manobra da nascente política brasileira.
Referências
Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência (Brasil, 1790 – 1822). Campinas, SP. 2002.
Cruz, Almir Sant’Anna. A História que a História não conta: A Maçonaria na Independência do Brasil. Rio de Janeiro, RJ. Edição do Autor, 2020.
Baeta, José. História do Rito Moderno no Brasil. 1ª ed. Poços de Caldas, MG: Edição do Autor, 2022.
- A História que a História não conta: A Maçonaria na Independência do Brasil. Rio de Janeiro, RJ. Edição do Autor, 2020.
↩︎ - Representante do poder do Grande Oriente Brasílico em outras províncias que não a metrópole, hoje seria equivalente aos Grão-mestres estaduais do Grande Oriente do Brasil. ↩︎
- Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência (Brasil, 1790 – 1822). Campinas, SP. 2002. ↩︎